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Trabalho árduo, muitas vezes ingrato, repetia-se ali nas mãos do bom rapaz a mágica das mariposas. De duas pedras fazia ele o fogo que queimava em letras no envolver de seus dedos. E no crepitar da foligem, no sopro da labareda salpicavam mariposas em brasa. O ar era então um rasgo de asas enfeitiçando o vento. Rodavam, planavam, zuniam as mariposas em volta da chama. Olhos dourados e frêmita mão - Ismael segurava o sopro do fogo e com palavras fortes marcava uma por uma com letras por língua escrita o ventre das mariposas. E assim caiam uma por uma com o queimado ventre por sobre o amarelo papel do dia. "queima queima dor, faz no vazio incerto, carvão e sombra virarem flor", repetia ele em cada leva. Pétalas não só em verdade, mas de espinhos também se colhiam nas queimaduras do papel. Pequenos mundos de sonho e dor tomavam forma de desencanto e amor em cada mariposa morta.
Pães e pedras eram dados como paga, mas era dos olhares que Ismael se alimentava. Mastigava bem mastigado cada pedacinho - olhar de pedinte, alegria e volúpia, desalento e amargura, envergonhado jeito, e também às vezes do mais puro amor. Os pães do mundo eram feitos e seu vinho, um molhar de olhares. Nem sempre lhe apetecia o labor, é verdade. Pelas manhãs regorgitava suas mariposas e sentava no canto do quarto a desenhar as trajetórias de fogo. E cada desenho, cavalo alado, casa de pau-a-pique e noite estrelada por peixes, cada rabisco era uma página de seu livro de memórias. Vez por outra, uma mariposa suicida doava seu sangue em chama e escrevia por si mesma uma letra no livro de Ismael. E era tal o encanto da vida-morte que cada página letrada do livro dos desenhos entoava um canto quando aberta.
Dizem que Ismael se foi para os jardins do esquecimento. Virou lenda, boato, conto de caboclo daqueles bem perdidos que a gente só encontra nas taperas do mato. Na noite clara, no entanto, vejo-o andando aqui mesmo dentro de mim...fazendo trilhas de fogo... "meio sem rumo", penso eu...jogando por vez página de cavalo alado, casa de pau-a-pique, noite estrelada por peixes, uma labareda mastigada a nos calar.
7 comentários:
esse texto sempre me foi um dos favoritos - acho q ele alcanca a magia d tudo o q descreve, abre as portas dos nossos sonhares e as enche d labaredas, sangue, palavras e intencoes.
trata-se d uma carta mariposa q rodopia o frescor das nossas querencias. ela consegue chegar lá e e sem borrada alguma.
parabens. isso aqui é muito d vc.
bjs
Ismael, você, eu... e quantos mais "escritores de fogo" não foram transformados em mera lenda! Quantos mais ainda não serão forçosamente transformados?
Boa noite!
Finalmente consegui um empinho para ler com calma e verdade o seu blog para tentar fazer um comentario decente, nada de dizer "Ah! legal, vá até o meu blog", hihih... prefiro nada dizer a falar asneiras!
Não conhecia esse texto, gostei muito de ler, é tão instenso e instigante!
AS sensações são tão bem descritas, dá para imaginar tudo enquanto leio, fantástico!
Gostei muito do seu blog, as palavras, as imagens, tudo aqui "casou" bem.
Bjoks!
http://ocaoinfiel.blogspot.com/
Texto selvagem... não, não é uma palavra boa, eu acho que intenso, mesmo, peado no sentido de significado....
Gostei, digo simplesmente
http://alacarte-domeujeito.blogspot.com
http://publicandobr.blogspot.com/
opaa legal o blog
se pude da uma passada aii no blog de cima
abraço
Realmente muito bom... hj e dificil achar textos q prendem o leitor nos blogs, e isso e uma coisa q vc n precisa se preocupar, basta continuar o bom trabalho. Flws!
infelizmente as palavras digitadas não tem o mesmo fogo do que as antigas escritas em papel com caneta tinteiro; muito do romantismo se perdeu e essa antiga expressão da alma tem sido por muitos banalizada, pela acessibilidade do formato eletrônico.
Textos assim refletem um pouco do que eram as palavras para nossa alma quando sua raridade as tornavam preciosas.
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