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terça-feira, março 27, 2007

Maldito Blogger mil vezes! Entrei na página deste infeliz sistema e me propuseram a mudança para a minha conta no Google. Pois bem, lá vou eu na sua ingenuidade fazer a mudança! Resultado! Meus arquivos não aparecem mais no template e eu não consigo mais atualizar posts pelo Wbloggar. Malditos! Malditos! Malditos! Eu já não tenho mais saco para ficar mexendo nestes html's da vida, não. Oh saquinho!






Salve meu amigo Silveira ,



Christmas Island! Christmas Island! Meu Deus, onde você foi parar!? Os anos passam, o rumo das coisas faz capricho de nossos planos, mas você continua incansável nessa sua busca. Em verdade, uma velha amiga me disse com ar professoral, uma certa vez em Araxá, que a vida é um vazio. Lidar com este vazio, preencher este vazio é a única opção que nos resta. Não que isso não tivesse passado pela minha cabeça antes, mas a partir daquele dia passei a levar mais a sério aquela frase. Tornou-se claro o que ela queria me dizer com aquilo - salvar-me da ilusão ou das ilusões. Fico me perguntando se ela tocou meu céu do impossível ao contar "o segredo". Poderia dizer que ela matou a virgindade dos meus sonhos, mas seria maldade para comigo e com ela. Me lembro de já ter te contado isso uma vez. Me lembro de já ter me contado isso mil vezes. A vida é um vazio, a vida é um vazio, a vida é um vazio... e me repetir nessa melancolia inútil. A vida é um vazio a ser preenchido. A plenitude deste pensamento é a de alcançar uma serenidade para o inevitável, para a limitação da criatura finita, frágil, sem propósito. Mas toda as religiões ou toda forma de religiosidade, incluindo as atéias, nos querem fazer crer que a vida tem um sentido, que temos uma missão no mundo. A regra internalizada é essa - a vida tem sentido - sua vida tem sentido - minha vida tem sentido. E de repente POW... passo a descobrir que eu é quem sou o inventor dos sentidos.


Me lembrei das tuas buscas, Silveira. Li e reli a sua carta por 3 vezes. Tentei imaginar de fato o que está acontecendo contigo aí nessa ilha. Fiquei preocupado com seu sumiço, você escreveu bem - eu teria feito de tudo para evitar essa sua partida. Fiquei triste, o Paulo, a Nísia e o Jesualdo também me disseram. Falei também com o Nelson depois que recebi a carta. Ele saiu para o Marinho para tomar uma cachaça em sua homenagem. Achei muito engraçado. Não pude contê-lo. Recebi também as caixas de vinho e confesso que eles são o seu retrato quando passo na adega que acabei montando na copa. Obrigado. Por aqui as coisas vão trilhando o seu caminho, sabe-se lá para preencher o tal vazio da vida, ou do tempo. Na terça passada, dia 7, eu tive um sonho dos mais estranhos. Sonhei pela primeira vez na vida que tinha morrido. Olha só que loucura! Eu anotei tudo no computador pela manhã:


"eles estavam na fila me empurrando, mas eu sabia que ali era a Síria. Haviam outros também, brasileiros, mas ninguém mais conhecido. O passaporte, a identidade, o visto em mãos. Era uma espécie de galpão atrás de um muro alto e lá fora havia a guerra. A gritaria era enorme. Parecia um mercado persa, mas era o mercado do desespero. Vejo uma senhora gorda gritando e todos gritam de volta naquele idioma que eu não fazia idéia do que era. Árabes, árabes e mais árabes. Tento passar e o oficial de bigodes me libera. Saio por um grande portão e entro em um galpão ainda maior, parecendo uma enorme antesala de aeroporto, sinto o ar seco apertando minha garganta. Um casaco na mão e os documentos ainda por guardar. Olho assustado, vou andando, tento chegar até uma escada. Gritaria, os bancos se reviram, transformam-se em trincheiras. Agora são asiáticos com rifles nas mãos. E gritam. Sinto um fisgada no ombro e olho a cor do sangue se abrindo num vão pelo casaco. A dor aguda e mais um tiro no braço. Caio para o lado, tudo fica quente, uma dor, uma vontade de vomitar, tonteio, não posso morrer. Corro para o outro lado, mas pela frente, por trás levantam-se armas num fogo cerrado. Eu vejo tudo, vejo a inevitabilidade do fazer. Balas voando cortando ar e o cheiro de pólvora aumentam o sufoco. Grito com o corpo aberto, transpassado, cortado, rubro, varado pela morte. Não me safo. Eu morro."


Não sei se antecipo a guerra no Iraque, a guerra na Coréia ou minhas próprias batalhas. Dizem que sonhar com a morte é sinal que a pessoa passa por um conflito forte e precisa fazer uma opção. Transição e ruptura, renovação e amadurecimento, todas essas palavras eu encontrei na busca por uma interpretação. Eu já tinha sonhado com morte e como pessoas falecidas, mas nunca tinha sentido de uma forma tão crua a minha própria morte. Mas falar de arquétipos e símbolos não é contrariar o que a velha me disse? Se a vida é um vazio é por que ela é um evento de causalidade físico-química. Não uma singularidade, mas a repetição de um ciclo ininterrupto de transformação da matéria. Optei por me iludir e me instruir que essa organicidade toda é uma tolice. Quero dizer, foda-se!


Enfim, me pergunto se continuaremos a ter aquelas nossas conversas pela madrugada, se agora você está há onze fusos horários daqui. A carta tá me lembrando os papos de bêbado no Marinho. Eu queria te perguntar sobre o crepúsculo, pois senti tuas letras tingidas por uma cor de sol se escondendo por trás das águas, num tom laranja-rubro. E eu que nunca gostei de escrever cartas vou ter que te aturar agora nessa escrivinhação. Ponto. Cansei. A vida é mais bela que vazios. A vida é bela mesmo que no abismo de um monstro vazio. Eu aprendi a criar sentidos e agora criei um sentido para a tua ausência.


Um abraço meu a Fahan! Ele já deve saber quem eu sou...


Ernesto Rocatti


Ps. As coisas nos fascinam por se permitirem inesperadas.



[Publicado originalmente no Hiperfocus em 1/10/2003 10:06:20 PM]






Amigo,



Como sabes, me mudei para Christmas Island. Aloísio Ambróz me disse ter contado a você na semana passada sobre meu destino escolhido. Contei a poucos já que poucos são os brilhos no meu céu de amigos. Me perdoe o propósito esquecido, mas sei que farias de tudo para não ter ido. Nos poupei, quero dizer - foi isso. Mas enfim, aqui estou e é hora de te falar das coisas que me agradam dizer.


Logo ao chegar, fui entrevistado pelo Intendente Geral chamado Ti Ping Ho. A tudo que eu respondia, ele me respondia com um sorriso amarelo - era como se duvidasse do meu pedido de exílio. O calor aqui é grande e a fumaça do cigarro de Ho me lembrava aquelas névoas de panela de pressão. Ele carimbou sete papéis e assinei outros 3. Quatro para mim, três para ele e eu estava livre. No mais, foi uma questão de tempo. Moro há 200 passos do mar no meio de uma estrada que leva ao farol. Achei melhor não me arriscar com tempestades e inundações de caranguejos. Sim, Christmas é rodeada por caranguejos vermelhos. Muito bons para comer, nada bons quando resolvem nos comer. Vi uma senhora na vila correr até o porto com um vermelhinho destes cravado em seus ossos esquálidos. Os malaios me tratam muito bem, os chineses sempre sorrindo como se soubessem algo que não sei - e eles sabem. Os australianos, tanto faz, tanto fez. Há muitos deles nos bares, poucos deles na vida da cidade. E aqui sou o único brasileiro, fato inédito nas transmissões de futebol internacional. Fiquei amigo de um velho malaio de nome Fahan, o alegre. Eu entendia muito pouco do inglês malaio dele. Mas ele apontava para as casas, para o céu, mar e pessoas, fazia quadrados e círculos no ar e me apontava dedos. Ao final de tudo, a boca de três dentes dava uma gargalhada e falava "Ahn!" como um pedido de concordância parecido com o nosso "né". Todas as noites eu me sentava ao lado dele e íamos contando casos, se é que alguém da minha idade pode ensinar algum caso a uma pessoa dessas. Mas ele me olhava intrigado e com olhos atentos também. Vivíamos ali naquele diálogo que pouco se entendia, mas muito se descobria.


Minha vida continua sozinha, Ernesto. Tentei escrever poemas na praia como Anchieta, mas não tenho paciência jesuita. Voltava para consertar as letras que o mar lambia e a cada conserto eu perdia um verso. Reinventava outros, mas nunca era um EU poema inteiro que nascia. Briguei com a poesia de areia e a praia agora me serve apenas para cavar buracos, coisa que sempre preferi a fazer castelos. Fahan, dia sim, dia não, me aparece com uma cesta de peixes e aponta para sua casa, sorrindo. Hoje vai ser a terceira vez que janto com ele. Sua casa é simples, mas de organização militar impecável. Me disseram que ele lutou contra os japoneses em 42 e na invasão perdera sua filha para um major. Ele anda mancando, Ernesto. A perna coxa amarrada de branco. Comprei um chapéu igual ao dele na vila, bem grande de palha e deixei a barba crescer. Queria poder dizer que chutei o balde, mas continuo preocupado com a vida. O relógio me acompanha na cabeça e acordo pela noite com o velho pesadelo de estar atrasado para entregar alguma coisa. Me lembro que a coisa foi entregue há 20 anos atrás e durmo de novo. Mas há sempre novos relógios pendurados na parede das minhas memórias. E a cada soluço do sono eles esmurram meu espírito. O espírito é forte, mas a carne é fraca, dizia o senhor. Meu espírito hoje não é forte e a carne perdeu seu sentido carnal. Ontem, depois da areia, passei a pintar poemas nas pedras. A tinta vermelha de textura grossa fez as pedras sangrarem. Foi lindo escrever "raptei meu destino à morte dos anos e me presenteei à ingenuidade ainda viva. Conjuguei meio verbo e me desfiz." para ver cada letra escorrer e mutar a cada beijo de onda. Escrevi novas linhas e o mar nova partitura. Meio cegos, o mar e eu escrevemos na pedra. Voltei vermelho, salgado e feliz. Não sobrou nada, como das vezes na areia. Mas o poema viveu em mim.


Aqui, continuo cego, Ernesto. O tempo me assombra, mas começo a aprender magias para espantar as horas. Essa carta vai em vermelho, minha alma mais azul. Fahan está aqui rindo. Meus olhos em lágrimas.



Adeus, meu amigo!



[Publicado originalmente no Hiperfocus em 12/29/2002 06:33:21 PM]

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