★ Flávio Souza Cruz ★

★ D R E A M S ★

★ M A G I C ★

★ F A N T A S Y ★

terça-feira, maio 31, 2005

Culturanças são... culturanças são lembranças embuídas em pó, desterro e traças. É o pavio culto, largado, dos sertões de dentro, aqueles rodeados em nó. Sonhamento é estranheza turva, é moleza d'olhos de algaravia só. Pertença, pertença em tronças, em caichos d'álho ao Mato Dentro. Mato afora, Cerqueira Maria, escriturária em Jati, corria como louca. Culturança era pouco, seu corpo era tépido. A moça corria de pés em vento, de trouxa nas costas. O mato farfalha, as contas balançam, a tesoura cai. Cerqueira tropeça, a trouxa ao chão, volta. Retoma a tesoura e o fio, a picada e estrada. Seu rosto balouça, vai em câmera lenta pulsando dos lados. A garganta queima, seca, retorce. "Ahh Maria das Cercas, que tu fizestes à cabrinha?" E ela corre, corre, corre... corre, corre, corre mato adentro... corre num engalfo de sede e fome... Maria e a cerca, o pulo e a morte. Ela corre da casa, corre do homi, corre de si, espelho da carne, culpada de tudo, descarte da sorte... corre, corre, corre Maria das Cercas... corre, corre, corre... pra vinte anos passar, pra vinte anos morrer, pro vigésimo ano, tempo de agora, ser culturança do tempo, crimonosa em pó, um resíduo das traças.

Trabalha hoje, na Rodrigues Souza, em amplo elevador, Maria das Cercas. Às vezes se lembra, da tesoura e a ponta, no apertar da subida, um cabelo em tranças.

sexta-feira, maio 27, 2005

Há dias que as palavras não assinam, irrelevantes. Há dias de corriqueiro dormir, corriqueiro almoçar, manifesto repetir. Há dias, e este não é um destes, em que a cabeça se esquece das mãos. O esticar e repuxar dos músculos toma o comando de tudo. Abro os lábios, falo, pronuncio e me esqueço. Eu sei, está tudo lá num lugar das repetições de onde retiro as frases prontas. Os gestos sabidos, às vezes prorrogados na busca do andar das horas. Fechar o ponto, depositar a hora, postar o crédito. Há dias em que as horas assassinam, nos matam por dentro. Nestes, sou Chaplin na engrenagem, descendo e subindo de costas. Na verdade é acordo assinado perante as mãos. O apertar do ritmo pulsante, o estender no ritmo das coisas. E é tudo, ato voluntário, um desapego ao sono, um desemprego forçado do sonho, um ardil pra viver. 


 

quarta-feira, maio 25, 2005

Há dias, devo recordar, em que o sangue costura trapos no aquém da carne. Serpenteada em noites, a trilha vermelha traça canais em meu olhar. Em camadas, ela se faz num mapa de rios dolorosos. Os cílios os escondem reverentes ao soar de um sorriso leve. E cada traço é um rosto, cada traço é um poço de lembranças a fechar. Coloco algodões em meus sentidos, algodões em meus olhos. Abro a gaveta dos anos e manueseio o apagador amigo. Há dias, devo recordar, em que a volúpia jaz ali coagulada. A vontade é um soco, o querer é um nada. Há dias, queira acordar, que no aquém dos trapos, a alma jaz morta e a carne é terna.

Imagem: Nadia Maria


segunda-feira, maio 23, 2005

Dizem que uma estória é boa quando se coloca carne e fé, sol e trevas nela. E que da carne há de escorrer fé e do sol um pique-esconde nas trevas. Me diziam, repito, que devo fazer minhas Marias, Carlos, Rodrigues e Armínias com o lodo quente das palavras que se carregam a dedo. Criar círculos nas terras longíncuas e enfeitá-los de dramas e prosaismos de ruelas. Mas em tudo, nos últimos segundos, não tenho visto a vida no deserto estrelado da noite. Reparo, quero dizer - parca é a vida naqueles céus dos corações de pedra. Um tanto quanto, pode ser em Bento Garcia, em Olivério Carneiro, ou no sertão de Jequitá, mas sempre, e somente sempre naqueles céus de Maria Luisa. Certo dia, ela me disse, contando em segredo - "Ernesto, a amizade verdadeira é como uma estrela..." E eu, absorto em Alpha Centauri tentava entender. Sentia a luz, sentia o blues, mas nada flaming, tão certo e quente como a velada amizade. Eu olhava a noite e um rosto longínquo, faraway era tudo. Eu pensava, retorcendo a barba "Mas como entender as estrelas se o nosso céu é manto negro de cidade grande?" Nasci em pedra, nasci em neón, nossas estrelas são postes desencarnados. E Maria Luisa sorria. Era um sorriso manso, maroto, escondido entre lábios. E eu ficava lá, pensando com a vida, lutando com os rompantes de estrela. Numa bela noite, me imaginei deitado ao penhasco, me untei de carne e fé e olhei para as trevas. E lá, bem longe, neón calado, no prepúcio do mundo eu senti.

terça-feira, maio 17, 2005

E não é que este cantinho aqui do Epifania passou dos 5 mil visitantes?! Para um canto assim escondido, tá até bão demais! Parabéns a todos! Merci!

segunda-feira, maio 09, 2005

Há dias em que o começo é um acordar não-verbal. E nestes me incluo ritualmente. Nestes e em tudo me repito vinte quatro horas como um repuxar de parto. Não grito mais, quero dizer - não falo, me recolho. Pois em tudo, quase em prece, aprendi o sagrado gritar do silêncio. As mãos quase se encontram num espalmar beneditino. Os olhos vagueiam enquanto a acentuação se eleva. Interrogo, exclamo, me pontuo em reticências, relembro. Há dias em que o começo é um acordar não-verbal. E nestes me refaço visceralmente. Nestes e em tudo me repito vinte e poucas horas relembrando uma. Não digo mais, quero dizer - não falo, mas grito. Pois em tudo, gesto que me veste, me envolvi ao calado gritar do silêncio.

quarta-feira, maio 04, 2005

Há dias em que me dedico ao suave murmurar do nada. Há dias em que me dedico a olhar o dia passando. E tudo, quase tudo, me parece o gesto do ponteiro repicando segundos. Há dias em que não vejo o sol e há dias em que mergulho na luz dos amperes. Nestes eu me colo ao tempo como uma pintura de Goya. De olhos estatelados, sempre abertos, me impressiono. Eu me assusto suavemente em pálpebras largas. Há dias, e este é um deles, em que meus olhos empalam as fotos da vida. Rasgo as lembranças e amacio as pequeninas coisas. Vejos os contornos, as cores e os tons, bem colados à parede. E os sentidos ocultos se perdem na distância mais oculta. Pois o sentido é dos dias me desfazer dos sentidos. Pois há dias, e este é um deles, em que me desfaço junto à parede.

terça-feira, maio 03, 2005

Fugi aos céus, largando a terra,
voltando em círculo pra beijar
teu mar.
Eu sou um vazio à cata de um minuto. Espero, soluço, sei.
E por certo seria melhor me apresentar com nomes.
Mas minha vida é rótulo aberto, dobrado, jogado ao mar.

Eu sou um vazio à cata de um vendaval. Incerto, sozinho, sei.
E por certo seria melhor não me enfeitar de nomes.
Mas minha vida é uma oração, caída, prostrada ao mar.

Eu sou a mão quente que ajeita a vela. Inquieta, sofrida, sei.
E por certo seria melhor me esconder dos nomes.
Mas minha vida é a fé batendo na pedra, dobrada ao mar.

Eu sou o vendaval que te espera. Incerto, sofrido, sei.
E por certo seria melhor esquecer meus nomes.
Mas minha vida é me fazer pedra, à espreita, no meio do mar.

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