★ Flávio Souza Cruz ★

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★ M A G I C ★

★ F A N T A S Y ★

sábado, junho 03, 2006

O tecido de carvalho da mesa recoberto por uma poça e a visão do paraíso. Eleudina abre os olhos. A íris em flor, formada em tons de centeio e milho. A pupila negra arrematando a íris, o globo ocular recortado por línhas esquizóides de sangue. A cara alegre, os olhos abertos, o olhar daqueles que sabem. Abre o piano, a mão lânguida escorrega, toca - duas teclas, o pedal. E de súbito uma fraqueza lhe vem como que a tontear pela sala. Sons de cordas, arpejos, toques longíncuos dos anjos. A cabeça rodopia, a tonteira lhe derruba junto ao órgão. Segura-se, respira. Olha para as gotas e a poça e a mão. Eleudina inspira. O peito esguio de tez moura entreaberto em farto decote é inflado num solfejo. Os lábios se fecham como uma boca de desdém. Olha para o teto, a luz amarela, relembra a poça. Tateia de novo o carvalho, sente o caldo grosso.

Quando pequena, haviam lhe dito para não brincar com as facas da cozinha. Mas desde então, como receituário indicado, sempre roubava uma delas. A "Amélia" era sua preferida. O cabo quebrado lhe fizera trançar cem cordas em volta. Mas o corte era bom. Boa de segurar, boa de cortar. Mas acima de tudo lhe divertia enfiar a amélia nas sacas de feijão que a tia comprava a cada semana. Seus olhos orbitados contemplavam o brilho, a língua lambia o corte da lâmina. A faca entrava, saía, mergulhava. Era uma repetição fálica, quase-sabia. Vários tapas por isso recebera. Tapas no ouvido de perder o rumo. Chorava, corria, mas a faca ninguém pegava. Era dela, só dela. Amélia dormia em sono de vigília, um olho meio aberto, sempre. Amélia ao lado, à esquerda.

Por vez surgia-lhe o espantamento. Um quê de não saber o propósito das coisas. E já não sabia por onde e nem quando viera a paixão por Amélia. E já não mais... no esquecimento também queria-lhe ao lado. Sua filha lhe gritava: "Mããe! ôh minha mãe, larga isso, larga dela". Mas corria. Eleudina abria os olhos, sorriso daqueles que sabem, voltava ao quarto. Ajoelhava-se, orava, sentia os ossos cutucarem a pele no ombro. "Aaaahh maldita, pensava! Éh! É ela o diabo! Tá me querendo! Tá te querendo!" E então abraçava Amélia junto ao peito e dançava. Aaaahhh como Eleudina dançava. Os tacos carcomidos dos vários rodopios como testemunhas eternas da insava vontade. Mas... "sshhh ninguém pode saber! Vocês! Fiquem quietos"... O dedo bravo apontava para o chão.

O marido a deixara há quatro anos. Não ligara. Acordava sempre com o travesseiro ensopado, mas nunca deu a isso um porquê. "Vou cozinhar, éh!" Mas de novo, como uma dor agora doce, a língua molhada engasga, a pele fria. Cai.

E de súbito a luz da porta aberta, Amélia, a filha com ela junto ao peito. A luz e um corpo. Nada mais.

segunda-feira, abril 10, 2006

Eu vivo na cidade ao lado onde mora o esquecimento de mim.

sexta-feira, março 24, 2006

"Uma cor violácea, uma cor que viole a negritude do humor, que a violente e transforme em aberta rosa os lábios do olhar..." Ele pensava em rimas tortas e pedaços de versos, perdido num redimunho de imagens. A rua cinza, concreto escuro, desfralda num aqui-ali de angulares pedras. A chuva cai em pingos de água mole. Pedaços de flor lhe cercam pelo chão e o banco. Pedaços de violácea cor. Ricardo estende a mão, um pedaço de braço à sombra do paletó. A água e uma pétala púrpura, pedaço de rosa aberta lhe cai pela face. Lembrou-se da aula e da perda, da semana e da noite, maldormida. Malcomida vida de não-fazer, mal agrúrios retocados de esperança. A mão desliza a face áspera como o dia desliza o corpo áspero. Uma ruga ergue a testa enquanto o pingo, grande, lhe cai ao lábio. O gosto terra, meio água-suja, meio... a cor, violácea... seus pensamentos retomam o rumo do verso. Teima em terminar e busca a palavra final. Quer a custo violar o rumo de seus passos, ali parado. Emenda um verso, recorta a memória, engole em seco.

Ricardo, de sobrenome Cruz, não está só. A perda da semana lhe acompanha, mas também a chuva e também o minuto agora em paz. Aperta o lábio, morde a boca, responde enfim ao poema da pergunta. A caneta escreve, o papel aceita. "Meu verso último não rima, nasceu violado, mal enfeita. É um lírio, estranhezas em receita, um mar de rosas, uma flor qualquer, desejo, vontade de me jogar, vontades de ti querer, querer nos girar, virar, morrer, matar... solilóquio só de afetos a sangrar o dia, rompendo as sombras do humor."

O livro se fecha, mal poema, comentários a fazer. O passo segue, a rua molhada. Mas a violácea flor saiu dali, grudou no paletó.

quarta-feira, março 15, 2006

A volta do boêmio

sexta-feira, novembro 11, 2005

Este blog se encontra no sétimo dia da Criação.

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