'The marble image came alive,Began to moan and plead -She drank my burning kisses upWith ravenous thirst and greed.
She drank the breath from out my breast,She fed lust without pause;She pressed me tight, and tore and rentMy body with her claws.'
Heinrich Heine's
Desde cedo, cada um de nós aprende que mentir é uma coisa feia. Eu não fugi ao caso. Não me lembro quem é que me disse isso pela primeira vez ou quantas me foram repetidas pela vida afora. Me lembro no entanto de um amigo meu lá quando tinha 8, 9 anos de idade que insistentemente vivia mentindo. Era muito estranho. Eu fazia coisas, contava casos verdadeiros mas nunca conseguia competir com os casos deste amigo. E eu sabia que ele estava mentindo. No entanto, achava tudo aquilo muito sem sentido e ficava me perguntando por que ele agia daquela forma. Num daqueles dias no qual ele torrou a paciência contando lá mais uma lorota, não suportei ¬ quebrei o sagrado e também menti - contei uma maior que a dele, tipo daquelas conversas fantásticas de pescador. O coitado, acostumado com as minhas tradicionais estórias verídicas não tão espetaculares, acabou ficando sem graça já que a minha mentira era "maior" do que a dele. Me lembro ter sentido uma coisa muito engraçada - ao mesmo tempo a constatação do poder que agora descobrira junto a um vazio enorme, dado que aquela estória era toda vazia e de fato não fazia parte da minha vivência concreta.
Os anos vão passando e dezenas, centenas e talvez milhares de pessoas vão também passando pela nossa vida. Dentre essa turma, uma boa dose de mentirosos e um bom punhado de compulsivos, parecidos com este meu amigo de infância. Eu, por mais que tenha aprendido com aquela lição, nunca lidei bem com o tal poder adquirido de mentir. Foi uma das etapas da minha vida na qual eu perdi uma certa ingenuidade do mundo. Mas de fato, isso não aconteceu com a mentira dita por mim mesmo. Foi na verdade quando descobri que o tal amigo mentia. Foi uma descoberta do mundo, a descoberta que nem todo mundo usa e partilha das mesmas regras ¬ das tais regras do jogo. E daí a famosa Lei do pobre Gerson de um levar vantagem sobre o outro. Me disseram depois que "quem mente não segue em frente" ou "mentira tem perna curta" ¬ tudo para retornar à velha máxima de que "o bem vence sempre o mal ao final".
Satanás, o acusador, curiosamente identificado com a serpente do Genesis, a qual era tão somente o animal mais astuto nos jardins do Éden foi chamado de pai da mentira, fruto já deste fatídico episódio que nos serve como maldição genética (cristianismo), notadamente a partir das cartas de Paulo. O mais gozado é que no incidente, por incrível que pareça, é a serpente de fato quem afirma a verdade e, pasmem, Iahweh quem mente. Quem quiser conferir, observe as palavras de Deus em Gen 2, 16, 17, confirmadas por Eva em Gen 3, 3. A morte do homem não se confirmou, a não ser em sentido metafórico como morte da pureza inicial. No entanto, o que serpente afirmou em Gen 3, 5 de fato aconteceu: após a mordida do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, homem e mulher passaram a ser versados no bem e no mal, da mesma forma como os deuses, fato que é inclusive confirmado pelo próprio Iahweh após ter amaldiçoado o homem, a mulher e a serpente em Gen 2, 22 quando este, de forma muito estranha, conversa no plural: "se o homem já é como um de nós..." Ou seja, a serpente na estória, mesmo tendo falado a verdade, pagou o pato tendo que a partir daquele momento começar a rastejar e a comer pó. E mais: ela que antes era apena um bicho, virou o próprio demo e o pai da mentira!!! Iahweh, o qual tinha contado uma inverdade [eufemismo bonito para mentira] para Adão acaba almaldiçoando e expulsando o povo do Éden. Por fim, querubins com espadas flamejantes são postos junto à árvore da vida, para que dela também não comessem seu fruto. (É!!! Existiam duas árvores especiais naquele quadrilátero!) Daí surge a ligação entre mentira e mal em nossa sociedade ocidental.
Mas seria este um fato antropológico? Aparentemente a mentira é encontrada em todas as sociedades e é de se assustar, motivo para manchete de jornal, encontrar alguém vivo que não tenha mentido na vida. Parodiando a própria passagem do evangelho, quem nunca mentiu que atire a primeira pedra! Certamente qualquer mentiroso sairia ileso de um apedrejamento destes. Mas continuando em nossa trilha, devemos nos lembrar também de outra pérola que sempre nos é dita: "há mentiras boas e mentiras más, há mentirinhas e mentironas!" Ora, a regra é uma só - desviarmos ou não da verdade e a verdade é a coerente ligação com os fatos. A verdade é prestação de contas com a sinceridade daquilo que é [pelo menos daquilo que é frente à imperfeição de nossos sentidos]. Em Efésios, 4, 25, o compromisso com a verdade funciona inclusive como o cimento básico da união primitiva da comunidade cristã: "Por isso deixai a mentira, e falai a verdade cada um com o seu próximo; porque somos membros uns dos outros." Mas retomando a "trilha da mentira", poderíamos nos perguntar: Quem é o guardião da pureza daquilo que é ou não é uma mentira perigosa? Quem garante a ingenuidade de um dizer mentiroso? Obviamente todos nós procuramos calcular as consequências de nossas mentiras [tirando os compulsivos, óbvio]. Mas nunca teremos de fato certeza do mal que podemos ou não causar dizendo uma mentira. Mas daí, o mais interessante é postular que uma mentira pode ser boa, ou seja, que uma mentira pode salvar vidas, poupar transtornos, evitar mal-entendidos e, incrível, fazer o próprio bem.
E daí pulamos para o ponto final deste artigo que é a seguinte questão ¬ Pode uma mentira ser bonita? Certamente não falamos aqui da estética retórica ou da beleza argumentativa na construção de um enunciado falacioso. Queremos saber sobre a essência mesmo do enunciado - pode a mentira ser bela? Já sabemos, pois nos foi dito, que existem "mentiras" e "mentiras". E umas são mais cabeludas que as outras. Mas mentiras podem ser bonitas? Nos contaram também, como vimos no começo, que mentir é feio. Mentir pode ser bonito? Se acreditamos que uma mentira pode salvar uma vida ou fazer um bem, certamente há algo de belo nesse suposto poder da palavra distorcida. Mas o que nos fascina mesmo é a sedução que a mentira nos provoca. A língua dança em nossas bocas, coça nossos dedos ao escrever, quando somos seduzidos pela mentira. É uma troça, é um jogo, é uma brincadeira, é um fel a ser degustado na face de quem nos escuta e lê. A mentira dança, rebola, mostra a parte caída de seu decote, insinuando um doce canto de sereia a nos sibilar: "vem, me encosta na parede e abusa desse poder! Me faz sentir tua boca me dizer!" E é bela, altamente bela a mentira que nos diz: "vem que te quero!" Mas pode se dizer ela ao mesmo tempo bela e mentirosa? Mentirosa e bela ao mesmo tempo pode se dizer a mentira? Quem me garante?
Postado Originalmente por mim no antigo blog Hiperfocus em 10/11/2002.
terça-feira, fevereiro 01, 2005
By Flávio Souza on terça-feira, fevereiro 01, 2005
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