★ Flávio Souza Cruz ★

★ D R E A M S ★

★ M A G I C ★

★ F A N T A S Y ★

quarta-feira, abril 30, 2003

A copa da árvore compunha a parte das minhas membranas entremeadas por um sol reticulado de nuvens. Cerrei os olhos em busca da sombra dos meus causos. Respiração e olhar se inspiraram num tragar de lembranças voltadas para o chão. Levantei-me e olhei de volta o raiar púrpuro da tarde que se despedia. A vida continua seu ritmo ininterrupto de cores, enquanto as lembranças tinham gosto de sépia. Olhei a curvatura brilhante da fruta nas minhas mãos e dela se desfez em pedaços agora rasgados por meus dentes. A boca rumina pedaços de idéias a cada volta. Você está lá entremeada por desejos, tijolos, gramados e sorrisos. E tudo então se volta como ritmo cadenciado pelo movimento de cada parte da face. E cada parte é dor lembrança e pétala jogada. Ao fundo, o barulho das folhas revoadas se encapotando pra noite, ao dentro Renato canta uma mistura de Legião e versos meus. Os dedos se tocam como se quisessem tirar do outro um roteiro de trabalho. A mesa está posta num xadrez e prato só. Volteio de novo o corpo e o horizonte lá me espera a interrogar sobre o dia. Como a prestar contas, os braços e mãos espalmadas a altura do queixo se entregam à disposição de um tempo que se abre, negando a traição pelo que se foi. Eu me desfiz do dia, confessei. Me refiz à tarde, e à noite, beijo seu, me molhar de vida é o que peço.

Voltei ao quarto das luzes acesas, rezei três palavras com a língua e lábios se fechando. Cada minuto se eterniza numa ópera bufa incansável por não se terminar. De me cansar das horas internas fui contar os ponteiros da lua nascente. Imaginei arte pop de um The Cure misturado a Pumpkins desenhando babados e bocas vermelhas no amanteigado seio do céu. E me imaginava em assombro por haver tudo ali. E por estar tudo ali, a caixa de lembranças carregadas no pulsar dos meus ossos e a caixa de esperanças de um céu desenhado por música. Me entendi como céu, me vi como tinta pintada no céu daqueles que perdi. As cores rosnavam como feras, deslizavam como anjos e inchavam em orgasmo. Abri os olhos e o azul negro agora era tudo. A primeira estrela aparece, mais uma e outra mais. Um carro passa logo abaixo na estrada. Olho para a mesa, volto a comer. Garfos e facas retrançam uma velha ladainha cantada por velhas a me ensinar sobre sacos que ficavam em pé. Uma mão toca meu ombro, minha pele instilada por cheiros a pressentir. Está na hora, Carla Maria, me diz a voz. A porta se fecha e fico a contar nas linhas da mão se a sexta hora da lua já havia apontado nos olhos dela, naqueles que um dia me visitaram como boca de pintada lua. Fechei os olhos e o púrpuro raiar agora é tudo.

domingo, abril 27, 2003

a) Deus pode estar num nível ético-moral inferior ao alcançado pelo homem? Não, no sentido de o concebermos como um ser perfeito; b) Em não sendo perfeito, pode-se chamar Deus de Deus? c) Conceber a ação agressiva "santa", quer pela via humana ou "divina", sob a égide religiosa da ação purificadora, como um mistério ignorado pela ação imperscrutável da vontade de Deus não é justificar a ação do homem e do acaso sob o manto de uma vontade superior a qual não temos acesso à sua eticidade? d) Pode-se demonstrar logicamente que o respeito ao "outro" não seja um valor universal a ser perseguido no sentido de aumentar a compreensão, a partilha e a não-violência entre os homens?

Mais um pouco de paciência e vou me dedicar a uma dessas. Como você, amigo leitor, pode ver, "baixou" um espírito adolescente nessas linhas, destes de começo de faculdade. O que não deixa de ser bom, devido à pujança da energia. A questão é saber bem utilizar a tal energia, de uma forma "menos chata" e "menos utilitária" de preferência. Afinal, este é um blog "diário de um saramago", com a sua devida autocrítica.

quinta-feira, abril 24, 2003

Escutando neste momento uma pérola do cancioneiro popular brasileiro "A vida tem dessas coisas", cantada por Ritchie... peguei agora no Kazaa junto com outras pérolas. Tem uns barulhinhos daqueles sintetizadores dos anos 80 que são impagáveis! Tchin Tchun Tan Naaan - hehehe - muito bom! Acabei descobrindo que Menina Veneno já completou 20 anos e se encaminha para os 21 em junho próximo. E me lembrei justamente de um momento na fazenda de um tio meu, 20 anos atrás, que vivia escutando essa música... Coisas de Dinossauros da Elói Mendes... Não que eu estivesse na Elói, mas eles certamente escutavam as meninas venenos com os sintetizadores, "um abajour cor de carne" e tudo mais. Me lembro de em 96 ir ao um Show do retorno da Blitz aqui no antigo estádio do Minas Tênis Clube... eu acho que era o mais velho no lugar, rodeado por uma horda enorme de adolescentes e ficava lá pensando que aqueles meninos nem faziam idéia do que era a Blitz... mas enfim... Não sei se é o caso da trupe de Evandro Mesquita e Cia., mas há um percurso nessas bandas dos anos 80 que eu creio que passa por 3 estágios diferentes - o auge com centenas de milhares de "LP's" vendidos, um momento de decadência e transmutação para brega e por fim o retorno como cult. Mas isso só acontece com os que param no meio do caminho. E eu, que não tinha nada para escrever hoje, acabei falando sobre o Ritchie... Estou baixando "Pelo Interfone" agora.
:-)

segunda-feira, abril 21, 2003

Estou trabalhando para fazer uma home page e um perfil com alguns dados sobre mim. Certamente não será muito convencional, mas enquanto isso não sai, se alguém tiver curiosidade, vou deixar aqui uma foto minha. Afinal, pensando com os meus botões, quem me lê não tem muito idéia sobre a pessoa que escreve do outro lado da tela. Pois bem, o cara da foto sou eu.

Eu havia comentado sobre dois livros que estou lendo na última quinta-feira. Há ainda um terceiro, para não falar de uns outros, o qual merece ser mencionado. Trata-se do Evangelho Segundo Jesus Cristo, escrito pelo José Saramago. Delicioso de se ler.

Formando um quadrado, quatro banheiros de laje antiga branca, portas de madeira dessas que não chegam até o chão e uma descarga para ser puxada. E quando a usávamos, algo bem diferente acontecia pois de banheiro aquele quadro não tinha nada e era de fato um elevador. Subíamos uns 8 andares naquele prédio dos anos 40. Ao chegar, logo uma cortina de veludo azul nos recepcionava. Dava para escutar a música transpassando o pano de cortina e logo já se viam as pessoas junto à entrada. Era uma mistura de bordel com clube de dança. "Olá Flávio, entra, entra, pega uma cadeira...", uma mulher me recepcionava. E ficava ali a ver as coisas acontecerem. Poucos dançavam, mas havia muita conversa - intrigas, futricas, jogos de corpo e imagem pelo salão. Ao fundo, havia sim dessa vez um banheiro de verdade onde as tais intrigas e negociações continuavam seu ritmo. Me lembro de ser um frequentador semanal deste lugar, me lembro de ser conhecido por uma boa parte das pessoas mas me lembro também de ter sempre a sensação que eu era um estranho e que precisava ainda me apresentar a quem ali estava. Gente do colégio, do grupo de jovens, dos amigos das noitadas e gente nova que conhecia os meus amigos e não a mim...ah havia os meus primos também. Em meio a isso tudo uma doença começa a tomar meu corpo. Vou ficando cada vez mais fraco entre idas ao médico, retorno ao clube e visitas ao hospital. Eu não sei do que se trata, mas sinto que é algo que me enfraquece pelas entranhas. Vejo os olhos de tristeza e de esperança das pessoas, olhos dos que sabem o olhos de interesse daqueles que não sabem.

Num determinado dia, em visita ao médico, vi um auxiliar dele entrar com um aparelho estranho parecendo uma régua com uma curvatura abaixo. Me abrem a boca com o tal aparelho e observam lá dentro. Sou levado ao hospital, que era logo ao lado. Lembro que isso era já previsto - a tristeza das pessoas no clube, cada uma no seu canto e jeito, me dizendo palavras e me oferecendo o ombro numa mistura de carinho e espantamento. Lembro-me da palavra "novocaína" e um sujeito que reagia a ela, ficando "doido" querendo pular do caminhão onde imaginava estar. A sensação de ser cortado e de me ver marcado ao longo de possíveis outras cirurgias pela vida e de sempre querer voltar para casa há poucos quarteirões e sempre me ver impedido. Eu senti tudo acontecer apesar de não ver. Ainda enfaixado, de terno marrom e chapéu na cabeça vou me aprontando como um velho aposentado. A dor é daquelas que na verdade são de um "não se encaixar" no corpo. Me apronto todo e agora estou lá novamente abrindo a portinha do banheiro de baixo. Subo, abro a cortina, entro no salão. Poucos me reconhecem, me vêem como um velho ao longe. Me lembro de três mulheres num grupo afirmarem - "mas... mas parece um velho!" e consternadas abaixarem a cabeça. Me encho de raiva e mesmo sentindo as faixas apertarem a região da cirurgia, corro e deslizo pelo salão. Levanto o chapéu e como se uma nuvem sumisse da visão das pessoas, retomo minha imagem original jovem e cheia de vida. A alegria retoma. Nos braços, tomo uma daquelas três mulheres para dançar o bolero da vez... e escuto ao fundo, no banheiro de cima, a velha quermece das intrigas de sempre... mas vá lá... acordei... este foi o meu sonho da madrugada.

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