Abandonei o hábito de ler. Não leio mais nada exceto um ou outro jornal, literatura leve e ocasionalmente livros técnicos referentes a algum assunto que possa estar estudando e no qual o simples raciocínio possa ser insuficiente.
Quase que abandonei o tipo definido de literatura. Poderia lê-la para aprender ou por prazer. Mas nada tenho que aprender e o prazer que se pode colher de livros é de um tipo que se pode substituir com vantagem por aquele que o contacto com a natureza e a observação da vida podem diretamente proporcionar-me.
Encontro-me agora de plena posse das leis fundamentais da arte literária. Shakespeare não pode mais ensinar-me a ser sutil, nem Milton a ser completo. Meu intelecto atingiu uma flexibilidade e um alcance que me possibilitam assumir qualquer emoção que desejo e penetrar à vontade dentro de qualquer estado de espírito. Quanto àquilo por que lutar é sempre um esforço e uma angústia, a plenitude, nenhum livro pode servir absolutamente de ajuda.
Colhi estas palavras de notas pessoais de Fernando Pessoa, provavelmente escritas em 1910, as quais me lembram em alguma medida o Ecce Homo de Nietzsche. Não que exista lá alguma passagem semelhante, mas o que me lembra é a impressão formada pela leitura do texto. Um ego levado às alturas ou um reconhecimento seco e límpido de seu próprio poder? Ora, quando Pessoa escreveu essa passagem ele nem de longe era o Fernando Pessoa que veio a ser para a literatura ainda vivo, nem muito menos o clássico da literatura que temos hoje. Mas... entendamos... "ele sabia"... Suspeito pensar se todo clássico "sabe" de seu poder, mesmo ainda em latência e me questiono agora sobre a loucura e prepotência daqueles que também "se pensam ser"...
"Descobri que a leitura é uma espécie de sonho escravizador. Se devo sonhar, por que não sonhar os meus próprios sonhos? (...)", e assim se fecha a pergunta que não quer calar e que já se sabia respondida em cada volteio e festejo ao ego. Mas ele... pode.