"Na lúgrube cela empoirada dos meus cuidados, há um quê de folhas verdes que teimam em se erguer. Os galhos do sustento são como linhas de cobre entrelaçadas. Perfuram o céu, perfuram a terra, perfuram a mim. E da transfusão colhida, me dou ao prazer do encharco. Três linhas a menos e nada a dizer. O texto se come às avessas. Aperto a esponja que sou à espera da fuga dos insetos. Uns sempre ficam, maledicentes. E assim vou, caminhando com as folhas de esperança, o remoer dos galhos e o aspergir dos insetos. O passo é vagoroso, o mundo é grande, mas eu o mastigo."
Zidur parou à porta do amigo. Bateu três vezes - o aviso combinado. Um sorriso acolhedor aparece. Entram. A poltrona serve agora como o espaço da lonjura próxima. Zidur fala então das últimas músicas que ouvira, conta sobre a vontade de ir ao jogo no domingo e aguarda ansioso pelo cafezinho servido. Ele repara a atriz gostosa na TV, elogia em eufemismo. Sorri. Um inseto abre as asas lá por dentro. Coloca uma perna sobre a outra, o tempo passa. Jogam cartas, buraco, quem sabe. Gritam, bebem cerveja. A patroa do amigo traz uma porção de pastelzinhos portugueses. Comeram, gritaram, riram e beberam mais. A porta se abre, entra o Cláudio, outro amigo. Fecha-se uma roda. A noite prossegue, o papo é bom. O amigo mostra as novas músicas e agora temos um misto de debate a apreciação. Um pouco mais quieto, Zidur sente o som de Ute Lemper e relembra algo não vivido. Duas, três horas da manhã, hora de ir. Despedem-se.
E tudo fizeram sem se ver. E tudo fizeram como que em um breve tocar de galhos. Na hora do café, uma folha do amigo caiu. Olharam-na, mas ninguém a pegou. No prosaico encontro, era melhor o pastelzinho a comer a vida. Zidur, discreto, fechou os olhos e sentiu o percevejo lhe correr nas costas.