★ Flávio Souza Cruz ★

quinta-feira, junho 12, 2003

Um dia, fim de tarde num estiramento de nuvens vermelhas, José Arcanjo dos Santos abre seus braços no alto da pedra. Seu gesto-espantalho é girado num encantamento proseado em si mesmo. "Nazinha, meu querer, do meio de ti o azulão voei, e por tua boca morreu. Deixo faca, foice e fel, derramo os braço por nosso senhor qui dipressa vem cum força e fé o nosso rumo já é dado. Que de mim reste o pó das colheita e o milho seja bom. Fico aqui, leite e mel querer, sozinho me vou ao pai todo poderoso agora e sempre." Arvoado, José Arcanjo assopra o ar, buscando um assovio sagrado. O rosto cor de terra erodida retorce a boca em gestos ossados enquanto os galhos vermelhos untam seus olhos de sangue em fundo amarelo. "Ôoohhh", diz a voz-vento de José, um rever-verbo ecoado. A mão estendida recebe agora o primeiro pássaro, tomando-o em ninho. Ao alto a revoada se achega num periricar inaudito. Dois, três, quinze, mil pássaros azuis arrevoam o céu num aniz bailado. Coração em pulso largo, José cantoria com eles ainda estátua. "Quizera bom meu rumo certim, esperar te vou buscar meu nim", mais um verso na ajuntação. O volteio mais largo no rumo da pedra agora é uma cruz em dobra voada por ninho. Círculo de vida em pruma espera, o Arcanjo ergue seu vôo, enevoado por asas e Santos, sobrenome José, agora é uma mão sem pássaro, que da asa agarrada em mãos, deixou a vida roubada se ir. Desce da pedra cagada de penas, volta a Nazinha, seu bem-querer, espirrar rapé pros azulão voá!

2 comentários:

Miriam Borges disse...



...um arrepiar que segue o descer dessa pedra de penugens - vertigens ...

Flávio Souza disse...

Uma grande alegria em te ler, Miriam!

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