★ Flávio Souza Cruz ★

terça-feira, novembro 12, 2002

Me lembro dos tempos em que eu gostava de olhar para o horizonte ao final da tarde. Os carros passavam pela rua de fronte à varanda daquela casa de meus 6 anos. Pelo vão da escada que dava para a rua, eu ficava contemplando a vermelhidão do céu que inundava a cabeceira dos prédios. Lá ao fundo, brilhava a estrela vermelha de uma antena. Eu cerrava meus olhos até o máximo na tentativa meio louca de transformar aquela luz numa estrela de verdade, imersa num céu vermelho. E tudo aquilo me dava uma sensação gostosa de melancolia que eu não consigo descrever como era. Eu sentia um aperto no peito, mas ao mesmo tempo era bom, gostoso. Meu pai já estava por chegar e logo viria a janta. Era ao mesmo tempo uma sensação de paz e reconforto. E dessas lembranças, ficou sempre a sensação boa do cair da noite. Mas hoje era diferente! Eu estava irritado e a vermelhidão do céu me doía os olhos. Atravessei a rua e corri até a esquina para evitar o horizonte. Pronto, agora só havia prédios. Grande merda, pensei. O barulho e o frenesi das pessoas andando de um lado para outro como formigas me irritavam ainda mais. Andei duas quadras pela Santos Ramalho e então parei. Não via mais sentido naquilo, não via sentido em continuar a andar. Resolvi voltar. Anna precisava me escutar! Era isso! Acelerei o passo, dobrei novamente a esquina e me dirigi ao prédio. O céu agora já era quase noite. O último raio já tinha minguado pela ponta do prédio da Secretaria de Justiça. Olho para os lados e vou correndo até o outro lado da rua. Um carro manobra para sair do acostamento e vou por ali. Estou quase chegando até que...diabos, aquela senhora me aparece. Não sei de onde, mas surgiu bem a minha frente. Foi inevitável. Meu braço atinge seu peito e dá para sentir a dor naqueles olhos. ¬ Me perdoe! A senhora está bem?! Não respondeu. Mas o olhar me tremeu a alma. Uma mistura de dor, tremor e autopiedade que me descontrolaram de vez. ¬ Por favor, há algo que eu possa fazer? Me desculpe? Ela levanta a cabeça, seu olhar me mede de cima a baixo, arqueia o corpo, os olhos se arregalam e se fecham numa respiração resignada. Seguro-a pelos braços e a levanto. Mais uma vez a olho. Com as mãos me toca a barriga dando três tapinhas e remexe o corpo como que ajustando-o novamente. Se vira, me olha mais uma vez e baixa a cabeça três vezes como se me dissesse "você, você, você!" e segue seu a caminho. Olho o relógio: 7 horas em ponto. Vou até o portão e bato o interfone. O tempo passa e a esperança de um ruído que não vem aumenta minha respiração. Droga, apertei de novo! Atende! Ateeende! Por favor, Anna! Mas nada! Ela havia saído. Oh vida, praguejei! Oh merda! Ela tinha que sair nessa hora!? Meus pés não paravam de bater o chão e eu já estava quase pulando de ansiedade. O que fazer agora?! Eu não posso ficar sem dizer a ela o que eu sinto!

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