★ Flávio Souza Cruz ★

sexta-feira, fevereiro 25, 2005

As mãos colocadas nos olhos, a terra escorrendo pelos olhos. Jogado ao chão, Estevão Ferreira Rosemberger orava. O cabelo dançava em mechas de suor. Sangue escorria em caldo de fome. Treze minutos antes sua vida em semi-círculo correto, austero e puro. Mirava a noite sol das cinco e insuflava ventos. Maria do Rosário, a esposa, olhar calmo. O livro na mesa, a abertura no salmo. O café no primeiro gole se ardia junto à água matinal. A benção, lhe pediam - e a todos um verso dedicava. Era terça e seus olhos amarelentos se fechavam na poeira da estrada. Então Estevão finalmente viu - o vértice vento próprio esgoelando de dor e protesto, serpenteando na estrada a rugir na fúria das pedras jogadas. Morte e envelhecer lhe travaram as juntas. Era o mato, tornado rubro, tornado sangue, espetado pelo vento. Redimunho, rede-mundo lhe falando em pedaços. "Vem, meu irmão - toma-me, enlaça-me". E o descunjuro do todo o assustrar e abrir de olhos e mais, nunca vira coisa igual. Do paletó, puxa o terço, do suor repuxa a garganta. "Vem, meu filhim, volta pra nóis", a voz no vento-folha regia um choro de criança-morta. E a treva então lhe fecha o rumo. Aponta o rasgo de luz e ao chão de joelhos cai. Chora, remexe, crava as unhas e grita. "Senhor! Livra-me! Vade-retro-coisa-ruim!". E o ritmo farfalha e assombra. E canta. E rói. E dança. E cospe. E quer. E grita. E canta. E roda. E mais. É tudo caldeirão de fogo. E rosas lhe caem. Secas como a boca, amarelas como a pó. Arqueja, arpeia o salto. Volta e amanhece. A boca é velha, o caldo é rubro. Rosário a seu lado. Soluça, chora. E sua mão é sangue. O lençol branco, a janela e o paiol. Nada havia. Fora susto.

Mas o mato ao fundo, na soleira do vento, era mato, tornado rubro, tornado sangue, espetado ao alento.

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