★ Flávio Souza Cruz ★

sexta-feira, maio 16, 2003

E a fortuna conspirada com as nuvens, num arrozoado saber matutino, uniu o magro rapaz chamado Egoísmo à velha e gorda Comodidade como se fosse então um casório de fim de tarde, destes de vila escondida. Os dedos entrelaçados se amainavam um ao outro, segurando a vontade da cama vindoura. Não saíram do quarto, é certo. Ele, paixão pra dentro e olhos nos pés, sorriu como a decretrar novos planos secretos. Ela, amaciado saber, acariciava os cabelos do moço. O esquálido coração se deitou no flácido seio da amada. Barriga aberta e umbigo exposto, Comodidade recebia carinhos em círculos e regorgitava mesas e camas passadas num relembrar de prazer. As peles eriçadas copulavam como ondas. A velha moça, por cordial relutância ao início, abrira suas pernas à lascívia inquieta daquele que era um só querer. Um único toque de cordas vermelhas dedilhava notas sem pudor a cada beijo. O Egoísmo penetrava fundo na aberta Comodidade que a cada investida se dizia sua. E mais, e por tanto o mais ao querido gemer, ao tempo de desmaiar gritara amor. A tarde ia longe e era tarde já o horizonte dos desejos a fazer. Da cantada união, rugiu um filho, em inesperado susto, cujo gritar era uma vazia e inaudita dor. A janela se abriu, um rapaz qualquer, uma moça qualquer se voltam para a rua. E por tudo, olhando o vento e os passos, viram o dia e a morta paixão dentro de si. O rapaz desenhou um círculo na janela enquanto pegava o telefone com a outra mão. A mulher, pés descalços, lambeu a página do livro de si mesma e comprou flores. E a fortuna conspirada com as nuvens, num arrozoado saber vespertino, uniu o magro rapaz chamado rapaz à florida moça chamada moça, como se fosse então um casório de fim de tarde, destes de vila escondida.

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