★ Flávio Souza Cruz ★

segunda-feira, maio 19, 2003

Enquanto alinhava os distorcidos fios da sombrancelha, lhe ocorreu a idéia de que seu dedo e mão estavam próximos de seus olhos. Dava para ver a luz embaçada entre os dedos e o anel que brilhava dourado, destacando-se no conjunto. O dedo médio e o indicador roçavam os fios como num cafuné desinteresado. Passou então a abrir os dedos e a fechar, cada um como se fosse um take de cinema. A brincadeira fazia ver as coisas diferentes e toda a velha conhecida prateleira de objetos agora era um mundo. Escalou livros, deslizou por lapiseiras, dançou no velho quadro, quase caindo pelas curvas da mesa. Pela porta da sala, inclinada agora em setenta graus, viu um fio correndo como rio pelo mapa carmim da parede. A parede dava para o corredor que dava para... lembrar do relógio rodopiando ponteiros a lhe esperar. De súbito lhe retornou a angústia de sempre, matizada agora com um apertar de olhos e contorcer da barriga. O tempo era dinheiro e o tempo naquela eternidade de novos olhares era nada. Rotulou tudo aquilo como inútil e se dispôs a contar quantos segundos perdera na sua existência. Tantas coisas poderia ter feito naquele momento imperfeito. De tudo lembrou do sol e suas vizinhas estrelas. Alpha Centauri, Sirius, Alpha, Teta, Gama... das estrelas passou ao infinito. Rodopiou a cadeira e se sentiu imerso no eterno, frágil como não podia deixar de ser. Sentiu então a inutilidade de tudo e o vazio de estar ali a roubar segundos de si mesmo. Segurou nas mãos o ordenado relógio, puxou 5 minutos do ponteiro para trás. Voltou para cadeira e ficou a imaginar um jeito de dizer a si mesmo que tudo o que de fato tinha sentido e de fato o agradava, não tinha utilidade neste mundo. Abençoadamente dormiu, lembrando por último que quando criança gabava-se sempre de dizer aos coleguinhas de sala que o infinito, por ter início, era sempre menor que o eterno.

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