★ Flávio Souza Cruz ★

quinta-feira, março 03, 2005

Na beirada do laranjal moram cheiros do passado dos meus passos. Na beirada do laranjal mora o balanço do meu sorriso. E lá bem fundo, na beirada do laranjal, mora o rio do meu sonho. Lá, bem antes, bem cedo, bem viva eu corria, longe, caminhando nos cheiros, nas folhas do laranjal.


Ela cheirava folhas e sentia peles. Ela cheirava a pele e a sentia folha. Trocava cheiros por lembranças, odores por palavras. E na gramática diária, recitava versos para a rainha da noite. Embalava pétalas no colo e escrevia receitas com as lembranças da infância. A queda no chão, seu choro, o pai correndo... Ela embalava o passado com música do dia. Na beira do laranjal, bem sabia, havia um cheiro para trocar palavras. E a cada abrir das narinas lhe entravam sonhos. Na beirada do laranjal, bem sabia, havia odores de irmã-vida e irmão-sol. Contava as amigas e na roda de dança, contava as folhas, caindo aos montes, lhe fazendo princesa. Ela sabia e bem hoje o sabe saber das palavras que se trocavam sempre. Ela pensava "agora", mas na tinta escrita aparecia "acorda". Ela teimava e era "agora", mas sempre "acorda", a terra dizia. Ela escreveu "acorda" e a terra, e o tudo nela, as sementes, e o laranjal, todo o cheiro, todo o ar se perderam no antigo e sempre. Ela largou o reviver e num aprumo de vida revolveu em viver. Ela era um sopro em cheiro e ficou assim, caminhada, bem parada. Era a mão nos lábios e olhar pra gente. Um sorriso nos lábios e o dedo na boca. Olhar em tudo pra se dizer casta. Ela largou dos laços e nos largou por lá... nos cheirando o ar na busca do que se passou ali, querendo saber, bem cedo... onde mora ela, "a verdade" das folhas, a voz do laranjal.

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